A cegueira branca no filme Ensaio Sobre a Cegueira

junho 04, 2020


     Ensaio Sobre a Cegueira, livro publicado em 95 pelo português José Saramago, tem muito a ver com nosso momento atual. A história ganhou filme em 2008 numa produção dirigida pelo brasileiro Fernando Meirelles. Os pontos principais do enredo que representam a essência da obra literária são transferidos ou adaptados para o filme. Segundo o teórico Brian McFarlane no livro Novela do Cinema: Uma Introdução à Teoria da Adaptação “A ‘transferência’ será utilizada para denotar o processo através do qual certos elementos narrativos do romance são revelados como passíveis de serem apresentados na forma fílmica, enquanto o termo ‘adaptação’ se referirá ao processo pelo qual outros elementos narrativos deverão encontrar equivalências bastante diferentes no meio fílmico, quando tais equivalências são procuradas ou estão de qualquer forma disponíveis”. No filme Ensaio Sobre a Cegueira temos ambas as formas de condução, adaptação e transferência.

     Meirelles insere em seu filme um repertório musical minimalista, existe uma busca por timbres desconhecidos, apresentando ao espectador um universo novo, assim como o universo da cegueira. A composição exclusiva de músicas para o filme valoriza sua produção e o processo de recriação da obra.

     A narrativa nos apresenta uma inexplicável “cegueira-branca”, um “mar de leite” que atinge a população de local indefinido e provoca, aos poucos, o caos na comunidade. Os novos cegos são levados para isolamento num antigo manicômio, um espaço carcerário onde passam por muitas dificuldades, entre elas a fome, a falta de remédios, falta de higiene e a angustiante impossibilidade de comunicação com o mundo exterior. O enredo é como um pano de fundo para expor o ser humano e seus sentimentos de medo mais recônditos: instinto de sobrevivência, relações conflituosas de poder, angústia, vingança.

     A cegueira física é metáfora para a cegueira social da razão, quando não estamos presentes o suficiente para perceber a realidade a nossa volta. Suponho que a dimensão dessa crítica fica mais expressa na leitura do romance, mas já podemos perceber que essa cegueira branca, um excesso de luminosidade e não o contrário, remete ao excesso de informação a que muitos são submetidos, diariamente. Nem toda informação educa. Às vezes só precisamos de um pouco mais de silêncio.


     No momento em que o grupo de personagens principal sai do manicômio temos uma “imagem-síntese”, uma imagem que por si mesma representa um sentido, a foto do começo dessa postagem. Nela Meirelles faz referência ao quadro A Parábola dos Cegos de Pieter Bruegel, que por sua vez é uma alusão ao Evangelho de Mateus 15:14, que diz: “Deixai-os: são condutores cegos: ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova”. Texto que se aplica a muitos aparentemente líderes. 

A Parábola dos Cegos; Pieter Bruegel

Postado por Lucas O. Rosário

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